Caríssimos,
A interação entre vinho e língua, língua e vinho...
Mais do que corpo, acidez e taninos, nossa língua se entrelaça ao vinho nosso de cada dia, mais do que imaginamos... é só nos permitirmos!
Por Márcio Kill
Por Márcio Kill
Um dia desses uma cena
aparentemente inócua de um filme a que eu assistia chamou minha atenção: uma das
personagens aponta para uma garrafa de vinho sobre a mesa e diz: “I’m gonna uncork that bottle at 9:15”.
(Vou abrir a garrafa às 9:15). Imediatamente, meus instintos de enófilo (Ops!
Enocurioso) e tradutor emergiram e instalou-se uma pequena confusão “enolinguística”
em minha mente.
Uma
das dificuldades que um tradutor enfrenta é esclarecer a alguns de seus
clientes a sutil diferença entre uma tradução e uma versão[1].
Sabendo que “cork” significa rolha, traduzir
a frase em questão seria tranquilo para mim. Mas confesso que possivelmente eu
não me lembraria de “uncork” se
tivesse que vertê-la para o inglês. Nesse caso, o termo “uncork” é de uma especificidade única, difícil de ser alcançada com
um simples “abrir”. Pouco depois me veio à mente o termo em espanhol “descorchar” – e olha que meu espanhol,
quase pífio, “no es lá grande cosa”.
Acontece
que, enquanto brasileiro, tradutor e (modesto) apreciador de vinhos, eu achei
injusto que o inglês tenha “uncork”;
o espanhol, “descorchar” e nosso
português fique limitado, pelo menos em seu uso coloquial, a simplesmente “abrir”.
Então pensei: “por que não dizer ‘desarrolhar’”?! O que me fez lembrar outra
palavra muito significativa da língua de Cervantes e Cortázar: “desarrollar” – desenvolver, em português
- e essa foi a grande sacada de toda a brincadeira com as palavras e o mundo
dos vinhos, pois o vinho é, antes de tudo, desenvolvimento, evolução!
Assim
como nós, humanos, que trazemos conosco características indeléveis de nossos
ancestrais, que vamos aprimorando com o passar das gerações, o vinho traz
consigo traços de seu terroir. Algo
que vai além de simplesmente expressar o país de origem e o tipo de uva. Passa
por microclimas, relevo, sol e ventos, acrescentando-se a arte e a técnica dos
enólogos e sommeliers. Depois, como no caso dos vinhos de guarda[2],
ainda há maturação em garrafa. Todos esses momentos nada mais são do que “desarrollo”: amadurecimento, evolução e
desenvolvimento.
O
vinho se desenvolve para agradar nossos sentidos e estes, por sua vez, também
evoluem em uma relação simbiótica com a bebida. Daí se diz que a apreciação de
vinhos é um hábito evolutivo[3].
Dessa parceria harmônica, evoluem outros gostos, conhecimento, cultura, fortes
amizades e grandes negócios. O vinho é, em última análise, uma harmonização com
a vida!
Resumindo,
então, “uncork” e “descorchar” me parecem formas mais
“sofisticadas” de pura e simplesmente abrir uma garrafa de vinho. Para
valorizar tanto nossa língua quanto este momento mágico que é uma degustação em
boa companhia, - a despeito do alto risco de tangenciar a frescura e a
enochatice -, eu passei a procurar abrir portas; abrir sorrisos e a desarrolhar
garrafas; o que, por sua vez, nos remete a “desarrollar”,
que é desenvolver. Vinho é desenvolvimento, e desenvolvimento é vida. Logo,
vinho é vida!
Muitas vezes o cliente busca uma
cotação para tradução quando na realidade o que ele procura é uma versão. Mas
qual a diferença? Tradução é quando o material está em um idioma estrangeiro e
o cliente solicita o mesmo no idioma local, no nosso caso, o português. Já a
versão é o processo inverso, o material original está em nosso idioma e o
produto final será no idioma que o cliente solicitar.
FONTE: http://www.brasilian.com/traducao.htm.
Acesso em 20/01/13.
[2] Vinhos de guarda: Alguns vinhos de qualidade superior
que, por possuírem características especiais, principalmente as ligadas aos
seus taninos e sua acidez, tendem a evoluir após o engarrafamento, podendo – e
devendo – serem guardados até o auge de seu esplendor. O que desmonta o mito de
que “quanto mais velho, melhor” se aplica a todos os vinhos.
[3] Mensagem do enófilo André Andrès. Programa
Minuto Do Vinho, Rádio CBN Vitória em 08/11/2012.
Parabéns pelo texto! Além de interessante para amantes do vinho, também correto e ético!
ResponderExcluirAbraço e boa sorte!
Ola parabens de novo. Achei esse o mais interessante dos textos ate agora. Parece que esse e o tom essa e a safra. vamos desarrolhar e vamos valorizar o vinho que bebemos e o idioma que usamos.
ResponderExcluirum abraço
Cilene De Santis
Parabéns!
ResponderExcluirO cuidado que você teve com uma palavra que expressa um gesto tão habitual das pessoas, nos remete a uma pessoa muito sensível. Por alguns anos abri garrafas de vinho, mas a partir de agora vou também desarrolhar garrafas. A vida precisa de mais pessoas como você para ficar ainda mais bela !
Olá,
ResponderExcluirObrigado pelo comentário carinhoso! :)
Como disse acima: vamos passar a abrir portas; abrir sorrisos e a desarrolhar garrafas...
Um abraço e SAÚDE!